Seja bem-vindo a mais um conteúdo de entrevistas da Skop. Nessa série, contamos com convidados especialistas para compartilharem seus conhecimentos. Além disso, explicam com mais eficiência questões importantes para nosso dia a dia.
Neste terceiro material, conversamos com o consultor sênior de Códigos e Normas na FM Global e Diretor-geral do Instituto Sprinkler Brasil, Marcelo Lima. Continue a leitura e saiba mais sobre os sprinklers em áreas fabris, no mundo e no Brasil.
Pergunta 1. Considerando que o sistema de sprinklers é a melhor prevenção contra a interrupção (ou perda) de negócios por incêndio, é uma solução prática, econômica e evita perdas humanas e materiais, por que não adotá-lo nas indústrias brasileiras?
Resposta: Primeiramente, vale lembrar que o prejuízo médio devido a um incêndio em uma indústria sem sprinklers é de seis a dez vezes maior do que em uma com sprinklers. Ou seja, é uma diferença que, por si só, incentiva a instalação dos chuveiros automáticos. Porém, a grande pergunta que eu vejo é: por que a legislação do Brasil não exige isso?
Alguns argumentam que ocorrem poucos incêndios em indústrias e que há uma “fila de outras ocupações” mais importantes, como escolas, hospitais, hotéis, shoppings, entre outros, que são locais com grande concentração de pessoas. A lógica desse argumento é que se ocorrer um incêndio nesses locais, teremos uma tragédia pela perdas de vidas, o que não ocorreria em um incêndio industrial. Infelizmente não temos estatísticas reais sobre número de incêndios e de vítimas no Brasil para saber se isso é verdade, mas se formos analisar dados de países que publicam abertamente seus dados de incêndio (ao contrário do Brasil), vamos ver que o número de incêndios e o número de vítimas em incêndios industriais é também bastante alto, comparável e às vezes maior que em outras ocupações.
Além disso o setor industrial é visto como o primo rico das ocupações, um setor com recursos, com profissionais capacitados, brigadas de emergência, e portanto, mais seguro, e por isso a legislação não precisa se preocupar em exigências fortes.
Obviamente a principal preocupação de quem escreve os regulamentos de segurança contra incêndio é proteger vidas. Mas há outros fatores que também precisam ser considerados. Por exemplo, esses dias, uma fábrica de doces na Argentina pegou fogo, não sobrou nada! Apesar de não haver vítimas fatais, o incêndio resultou em 250 funcionários desempregados, ou 1000 pessoas se considerarmos as famílias. Não só isso! Afetou economicamente todo o ecossistema que existe em função da fábrica, como fornecedores, prestadores de serviço, comércio local, arrecadação de impostos, entre outros.
No ISB estamos trabalhando para mostrar às autoridades e a todos os interessados que é importante termos uma legislação de incêndio que exija maior nível de proteção contra incêndio de edifícios industriais, inclusive com a instalação de sprinklers. É uma solução técnica e economicamente viável e é algo que está comprovado que funciona para reduzir prejuízos e salvar vidas. E temos no Brasil a tecnologia e profissionais capacitados para projetar e instalar esses sistemas.
Resposta: Acho que temos dois problemas principais no Brasil que nos distanciam de alguns países. Nós brasileiros ficamos muito traumatizados, e com razão, com os incêndios que aconteceram nos anos 1970 e 1980 no Brasil. Os incêndios no Joelma, Andraus, Edifício Avenida, Renner, CESP, e tantos outros, foram devastadores, com muitas mortes e grande destruição material, e moldaram uma maneira de pensar dos nossos especialistas em incêndio. A legislação de incêndio é bastante exigente para edifícios altos, mas pouco ou nada exigente com relação aos edifícios industriais. Como me disse uma vez o Coronel Alfonso Gil, o decano da área de prevenção de incêndios no Brasil, talvez a situação fosse diferente se houvesse um “Joelma” na indústria.
O segundo problema importante é o fato de não termos dados confiáveis no país para afirmar quantos são e quais as consequências dos incêndios industriais no País. Como não temos dados, temos que procurar lá fora. Na Inglaterra, por exemplo, que publica estatísticas de incêndio extremamente detalhadas, os números são surpreendentes. No período de 2011 a 2020 aconteceram 2,5 vezes mais incêndios em indústrias do que em edifícios de escritórios. E, para minha surpresa, houve 4 vezes mais vítimas em incêndios em indústrias do que em edifícios comerciais.
Hoje em dia, a legislação americana classifica uma indústria metalúrgica como risco ordinário e exige sprinklers em prédios maiores que 1100 m2. Aqui no estado de São Paulo, e praticamente no restante do Brasil, a mesma indústria metalúrgica seria classificada como risco leve e poderia ter qualquer área e nunca precisar ter sprinklers. Precisamos rever a nossa legislação nesse aspecto.
Resposta: A FM Global é uma seguradora americana especializada em seguros patrimoniais, que trabalha com riscos comerciais e industriais altamente protegidos. No Brasil atuamos como uma resseguradora, mas a filosofia de prevenção de perdas e confiança nos sprinklers é a mesma em todo o mundo. Recomendamos a todos os nossos clientes a instalação de sprinklers em praticamente todas as ocupações. Quando analisamos o histórico de nossos segurados em todo o mundo vemos que ser protegido por sprinklers faz muita diferença. Como falei antes, a diferença entre o prejuízo médio de fábricas com e sem sprinklers pode variar entre 6 a 10 vezes a favor dos sprinklers. E isso nos permite ter bastante sucesso com relação ao número de sinistros que acontecem durante o ano. E para nossos segurados, uma certeza de menos interrupções devido a incêndios.
Por sermos uma seguradora mútua, ou seja, nossos segurados são os donos da empresa, os próprios segurados entendem a vantagem de ser altamente protegidos, e a instalação de sprinklers faz parte dessa estratégia de proteção. Em troca disso oferecemos um serviço de ponta na área de análise de risco e de prevenção de perdas. Para a FM Global, o uso de sprinklers é fundamental.
Existe uma dúvida muito comum ligando sprinklers ao mercado segurador. Muitas pessoas acham que as seguradoras têm a obrigação de dar descontos pela instalação de sprinklers, e ficam decepcionadas quando descobrem que isso não é verdade. E não é porque no Brasil, e no resto do mundo, existe um regime de concorrência entre as seguradoras. Antigamente, há uns 20, 30 anos, existia a Tarifa Incêndio do IRB, que obrigava todas a praticarem o mesmo preço. Nessa época, os descontos eram tabelados e a instalação de sprinklers dava um desconto de até 60% no prêmio de seguro. Com a abertura do mercado e o fim da tarifa incêndio, cada seguradora pratica a sua política de preços e não há desconto obrigatório.
Claro que muitas seguradoras enxergam com bons olhos as empresas que já têm sprinklers, e isso pode ser levado em conta na negociação comercial. O que o segurado deve entender é que a razão de estar bem protegido não é redução no prêmio do seguro, e sim o fato de estar protegido contra incêndios catastróficos, contra interrupção de produção, contra perda de mercado e de competitividade. Fazendo uma comparação, uma pessoa não para de fumar porque seu plano de saúde vai ficar mais barato. Para porque quer viver mais, com mais qualidade de vida.
Resposta: Os museus são ocupações interessantes do ponto de vista de proteção contra incêndio. Todo museólogo, desde cedo, aprende que a água é um grande inimigo da obra de arte. Umidade, bolor, são problemas muitas vezes mortais para o acervo. Quando você sugere colocar um chuveiro automático em cima da coleção, a reação é a pior possível. Ou melhor, era, porque a situação está mudando radicalmente.
Os incêndios do Museu Nacional e do Museu da Língua Portuguesa, abriram os olhos de muitos profissionais da área, e após muito trabalho de esclarecimento, discussões, congressos e trocas de informações, as pessoas estão perdendo o medo de usar sprinklers em museus. Também, bombeiros de estados como Rio de Janeiro e São Paulo passaram a exigir a instalação de sprinklers em museus.
Na indústria muitas vezes acontece algo parecido. Existe medo de instalar sprinklers em áreas devido à ideia, errada, de que o risco de um equipamento ser danificado por água é maior do que pelo fogo. Eu muitas vezes uso o exemplo dos museus para explicar que se um sprinkler pode ser instalado sobre uma obra de arte valiosa, pode com certeza ser instalado sobre uma máquina, um forno ou um equipamento eletrônico em uma indústria.
Resposta: Em primeiro lugar, a segurança dos funcionários. Não há notícia de um único caso de incêndio em edifício protegido por sprinklers que tenha tido múltiplas vítimas fatais. Por outro lado, todos os incêndios emblemáticos, no Brasil e no mundo, com grande número de vítimas, aconteceu em edifícios sem sprinklers.
Depois, a proteção do patrimônio. Sabemos que mais de 90% dos incêndios em áreas protegidas por sprinklers são controlados por até dois sprinklers, ou seja, são limitados a uma área de 20 a 30 m2, o que implica normalmente em baixo prejuízo material.
Outra vantagem é que a fábrica não vai parar de funcionar! No máximo a indústria vai precisar de algumas horas para ordenar as coisas, mas volta a operar rapidamente. Afinal, quando a indústria é forçada a parar por causa de um grande incêndio fatalmente terá problemas no fornecimento de produto, no cumprimento de contratos, e para atender o mercado. São vários impactos no negócio que são evitados com o sprinkler. É uma solução de longo prazo e a manutenção é extremamente barata.
Resposta: Se não houver uma exigência legal da instalação, isso nunca vai acontecer em grande escala. Veja o exemplo do air bag. São extremamente importantes para a segurança do motorista e dos ocupantes do veículo, mas se não houvesse a obrigatoriedade legal de se instalar air bags de fábrica em todos os carros novos no Brasil, e se ainda fosse um dispositivo de segurança opcional, somente estaria disponível nos carros de luxo.
Hoje, qualquer edifício comercial novo com mais de 10 andares é protegido por sprinklers. Antigamente isso era uma raridade, mas depois que passou a ser exigido por lei, o sistema de sprinklers passou a ser somente mais um sistema que precisa ser instalado para que o edifício possa ser ocupado. Acho que no caso da indústria, o mesmo caminho precisa ser seguido.
Temos uma mania de dizer que os estrangeiros têm “consciência” sobre o problema de incêndio e nós brasileiros, não. Sempre discordei dessa ideia. O que muitos países têm é uma exigência legal forte, que é respeitada e cumprida. Depois de 2 ou 3 gerações convivendo com essa exigência, ela deixa de ser somente uma obrigação legal e passa a ser parte da normalidade.
Resposta: A Skop tem feito um excelente trabalho para divulgar a tecnologia de sprinklers no Brasil. Outras fontes de informação que recomendo são o site do Instituto Sprinkler Brasil – www.sprinklerbrasil. org.br – onde podem ser baixados gratuitamente vários livros sobre sprinklers e podem ser encontrados informações sobre legislação e estatísticas de incêndio. Outra fonte importante é a Associação Brasileira de Sprinklers – ABSpk – que realiza cursos, seminários e congressos reunindo os melhores profissionais do Brasil e do mundo na área de sprinklers. E se você tem interesse na proteção de edifícios industriais, sugiro visitar o site www.fmglobal.com onde poderá baixar, também gratuitamente, todas as normas de prevenção de perdas da FM Global, várias delas em português.
Antigamente não havia muita informação disponível sobre sprinklers no Brasil, e as pessoas aprendiam errando. Hoje tem tanta informação gratuita sobre sprinklers na internet que não se justifica mais errar e errar até acertar.
Por fim, uma palavra sobre sprinklers certificados. Lembre-se que o sprinkler é como um fósforo, não é possível testar um por um quando chegam na sua obra. Você precisa confiar que o fabricante seguiu os melhores procedimentos de qualidade, e que o produto atende a todas as normas técnicas reconhecidas. No caso dos sprinklers, essa garantia é dada pela certificação do produto, ou seja, o fabricante é auditado por um órgão independente que atesta que o produto atende as melhores práticas de fabricação. Lembre-se que um sistema de incêndio é uma promessa de funcionamento, você só terá certeza de que tudo foi bem projetado, instalado e mantido no dia que houver o incêndio e o sistema de proteção for solicitado. Sempre utilize sprinklers certificados em sua instalação.
Hoje, você pôde entender melhor como funcionam os sprinklers em áreas fabris e como a falta de legislação pode prejudicar esses ambientes. Essa foi mais uma conversa da nossa série de entrevistas com especialistas na área de prevenção e de combate a incêndios. Acesse nosso site e confira as demais!