A recente atualização das Instruções Técnicas (ITs) dos Corpos de Bombeiros do Estado de São Paulo, especialmente da IT23 e da IT24, representa um marco para a proteção contra incêndio (PCI) no Brasil, pois trazem, de forma clara, ou implícita em alguns casos, a exigência de instalação de sprinklers certificados: um divisor de águas para o setor de PCI. Os textos são objetivos quando, por exemplo, orientam que em ambientes de Risco Leve só podem ser instalados sprinklers de Resposta Rápida (IT-23) ou, ainda, as 19 vezes que a palavra certificação é citada na IT-24, sendo que em dezesseis delas estão explicitamente relacionadas aos sprinklers de armazenagem. Isso é histórico!
Cabe ressaltar que as ITs 23 e 24 orientam sobre os requisitos de projeto e instalação dos Sistemas de proteção contra incêndio por chuveiros automáticos (sprinklers) de edificações gerais e estocagens, respectivamente. Alinhadas ao estado da arte em sprinklers, essas ITs passam a ser parte da linha de frente no combate aos sprinklers sem certificação e piratas.
Neste artigo, traremos muitas outras informações cruciais aos profissionais do setor, que foram pouco comentadas, sobre a seriedade com a qual as ITs 23 e 24 tratam dos temas qualidade e certificação, especialmente quando relacionado ao sprinkler. Fique conosco.
Não é novidade que há muitos anos as Instruções Técnicas (ITs) do Corpo de Bombeiros do estado de SP assumiram um importante papel no cenário da Proteção Contra Incêndio (PCI) nacional, justamente por serem a principal referência para vários outros estados do Brasil e, inclusive, já se sabe que, gradativamente, tornam-se referência também para outros países da América Latina, dada sua alta relevância técnica e conformidade com padrões da ABNT e internacionais. Em função disso é importante que os profissionais do setor de PCI tenham total atenção pois, naturalmente, tais implementações nas ITs de São Paulo nortearão também tanto as normativas como os projetos e instalações de outros estados brasileiros.
Sabemos que em outros estados brasileiros já ocorreu a iniciativa de exigência de “laudo de conformidade” dos sprinklers aos ensaios normativos, porém, diferentemente do estado de São Paulo, tais ações não foram tão efetivas justamente por não constar de forma objetiva na legislação (decreto estadual, portarias e/ou Instruções Técnicas dos CBMs) a exigência de sprinklers certificados ao invés de meros laudos de conformidade. O laudo refere-se ao ensaio de um lote em laboratório e o certificado refere-se à aprovação em todos os ensaios das Normas de referência somada à auditoria de todo o processo fabril, incluindo os ensaios de autocontrole do fabricante (Modelo 5 de certificação = padrão mundial de certificação de sprinklers).
Por outro lado, as exigências de sprinklers certificados incluídas na revisão das ITs 23 e 24, publicadas em 20 de março de 2025, através da Portaria CCB-003/800/2025 2025, são bastante consistentes e apresentam-se como um importante marco para a qualificação definitiva do mercado de sprinklers no Brasil. Essa atualização visa harmonizar os procedimentos de regularização de edificações e áreas de risco com as novas diretrizes estabelecidas pelo Decreto Estadual nº 69.118, de 9 de dezembro de 2024, que institui o novo Regulamento de Segurança Contra Incêndio das edificações e áreas de risco do Estado de São Paulo, deixando clara a exigência de certificação dos sprinklers.
Tudo nos leva a crer que essa lei “vai pegar” e veio para ficar porque o mercado brasileiro de sprinklers está plenamente preparado, há anos, para atender a esta regulamentação, desde os fornecedores de matérias primas até os pontos de distribuição, passando por fabricantes, certificadoras e laboratórios. Finalmente, a expectativa tornou-se realidade.
Como falamos no início do artigo, agora, por exemplo, é obrigatório que em ambientes classificados como de Risco Leve só pode ser instalado sprinkler do tipo Resposta Rápida. Este requisito já aparece há anos no texto da Norma ABNT NBR10897, porém, aparentemente, era ignorado até então por boa parte do mercado e da fiscalização, já que não era apresentado no texto da IT23 de SP. Perceba a diferença dos textos:
Portanto, salvo a exceção do item 8.10.2, relativo aos sistemas existentes, instalar sprinklers de resposta padrão em ambientes novos classificados como Risco Leve passou a ser ilegal. Isto sem falar nos requisitos 8.10.3, 8.10.4, 8.13.3 (a), 10.7.2, 10.8.2 e 10.9.1 que também trazem importantes critérios de aplicação dos sprinklers de resposta rápida em outras situações.
Um outro efeito extremamente positivo para a segurança dos usuários e do patrimônio é que em consequência da exigência de sprinklers de resposta rápida em ocupação de Risco Leve, existe a probabilidade de que a comercialização de bicos tampão (sem certificação e/ou falsos) será desencorajada, pois, até onde se sabe, apenas bicos tampão de resposta padrão são importados da Ásia para o Brasil. Felizmente, um gol de placa, por tabela, do CBPME-SP! Para consolidar ainda mais os efeitos positivos da exigência de bicos de resposta em ambientes classificados como de Risco Leve, seria interessante que, em uma futura revisão da IT-23, fosse considerada a inserção dessa medição (Tipo de Resposta) no quadro do Exemplo De Relatório de Comissionamento / Anexo B:
Talvez alguém esteja se perguntando: onde está a exigência de certificação se o texto da IT23 fala apenas sobre sprinkler de resposta rápida? Resposta: só é possível garantir que um sprinkler é de resposta rápida se ele for aprovado no ensaio de RTI (Response Time Index) ou ITR (Índice de Tempo de Resposta) em português. Este índice é definido através do ensaio de Sensibilidade Térmica previsto no requisito 6.16 da Norma ABNT NBR16400:2022 e é realizado apenas nos EUA ou na Europa. “Sprinklers” sem certificação ou falsos nunca darão essa garantia, mesmo que o elemento termossensível possua 3mm de diâmetro, até porque “sprinklers” tampões são fabricados com bulbos falsos. Entendeu como a questão da certificação está presente de forma implícita?
Para termos uma boa noção da relevância da última revisão da IT-24, vale citar que a palavra certificado aparece dezenove vezes ao longo de seu texto, sendo que em dezesseis delas a certificação está diretamente relacionada ao sprinkler que será aplicado em ocupações de armazenagem. Isso é histórico!
Veja quais são as citações:
5.1.1.7 Chuveiros automáticos de aplicação específica podem ser utilizados desde que certificado por laboratório de reconhecida competência nacional ou internacional.
5.1.2.8 Chuveiros ESFR (Early Suppression and Fast Response) devem ser usados somente em edifícios cuja altura seja igual ou inferior à altura de edifício para a qual foram certificados.
5.1.13.9 Quando a densidade exigida for maior que 13,9 L/min/m² (0,34 gpm/ft²), devem ser usados chuveiros spray de resposta normal, com fator K=11,2 ou maior, em pé ou pendentes, certificados para proteção de áreas de armazenamento, para a proteção de áreas de armazenagem geral, armazenagem em estruturas porta-paletes, armazenagem de pneus, bobinas de papel e de fardos de algodão.
5.1.13.11 O uso de chuveiros spray de resposta rápida para proteção de áreas de armazenagem é permitido somente quando os chuveiros forem certificados para tal uso.
5.2.2.1.6 Chuveiros de temperatura normal e intermediária com fatores K=11,2 ou maiores podem utilizar as densidades das curvas de alta temperatura da Figura 5.2.2.1.5.2, desde que certificados para proteção de áreas de armazenagem.
5.3.1.4 Chuveiros de temperatura normal e intermediária com fatores K=11,2, ou maiores, podem utilizar as densidades para chuveiros de alta temperatura, desde que certificados para proteção de áreas de armazenagem.
5.3.2.5.1.2 (1) e 5.3.3.5.1.2 (1) Os chuveiros devem ser do tipo spray com fator K igual 11,2, 14,0 ou 16,8 e com temperatura de operação ordinária, intermediária ou alta, e devem ser certificados para proteção de áreas de armazenagem, ou devem ser chuveiros ESFR com fator K igual a 14,0,16,8 ou 25,2;
Tabela 5.7.1 (NOTAS 2 e 4)
2) O espaçamento entre chuveiros pode ser maior que 9,3 m² (100 ft²) quando os chuveiros forem certificados para espaçamentos maiores;
4) A distância máxima do defletor abaixo do teto pode ser maior que 457 mm (18 in.) quando os chuveiros forem certificados para distâncias maiores.
5.7.2.1 (1), 5.7.2.2 (1), 5.7.2.3 (1), 5.7.2.4 Figura 1, 5.7.2.5 (1) e 5.7.2.6 (1) Devem ser utilizados chuveiros de cobertura estendida, certificados para uso em áreas de armazenagem, com Fator K nominal de 25,2;
Já os itens 5.2.1.3.2 e 5.3.1.7.3.1 (2x), também falam sobre equipamentos certificados, porém aplicados aos detectores em Sistemas de Espuma de alta expansão.
Repetindo: Isso é histórico! Um verdadeiro mérito para essa instituição bicentenária: os Corpos de Bombeiros de São Paulo.
De certa forma, essa implementação é a ponta de lança que abre precedente para que a exigência de sprinklers certificados seja adotada não só nas áreas de armazenagem (IT-24), mas também nas ocupações prediais (IT-23), elevando-as ao estado da arte técnica. É fato que na IT-23 foi implementada uma única exigência de certificação para aplicação de chuveiros automáticos do tipo spray laterais em ocupações de risco ordinário grupos 1 e 2 (Requisito 10.7.3), porém isso, apesar de um avanço extraordinário, ainda é muito insipiente em face da realidade trágica da aplicação de “sprinklers” tampão e pirata que temos visto em vários tipos de ocupação.
A exigência de certificação, não se trata de mais uma burocracia inócua, muito pelo contrário, trata-se de uma garantia legal de que o sprinkler instalado atenderá todos os requisitos de segurança, justamente porque órgãos de terceira parte competentes, como ABNT, ULBR e FM), atestaram seu funcionamento através de rigorosos testes dos produtos e de auditorias de todo o processo fabril: de ponta a ponta.
Isso já acontece há décadas no mercado internacional, onde temos como exemplo a NFPA13 que cita dezenas de vezes a necessidade de produtos listados/certificados, porém sem atrelar tal citação a qualquer marca de certificação. São exemplos disso os requisitos:
Quando a legislação é omissa em exigir a instalação de equipamentos certificados, não é ilegal instalar bicos tampões (sem certificação) e bicos piratas (falsos que fingem ter certificação) os ambientes tornam-se ainda mais inseguros para seus ocupantes. Apresentamos alguns exemplos de bicos sem qualidade instalados pelo Brasil com total amparo da lei:
Como dito anteriormente, sabemos de outras iniciativas de CBMs pelo Brasil que caminham na direção da exigência de certificação de produtos de PCI, especialmente dos sprinklers, porém se tais iniciativas não forem consolidadas na legislação (decretos estaduais) e, consequentemente, nas Normas dos CBMs (ITs, INs e etc.), dificilmente o problema da insegurança provocada pelos bicos falsos e sem qualidade será resolvido efetivamente. Na verdade, o único caminho real e viável para a completa regulamentação passa pelos CBMs, de todo o Brasil, pois é deles e somente deles a prerrogativa de, entre outras, planejar e a fiscalizar as medidas de prevenção e combate a incêndio (Lei nº 13.425, de 30/03/17 – Art. 3º – “Lei Kiss”)
Há mais de década que o mercado de sprinklers brasileiro está preparado com:
Todos esperando, unicamente, a exigência de qualificação técnica por parte da legislação para todos os modelos de chuveiros automáticos (sprinklers) vendidos e/ou fabricados no Brasil. É importante saber que a qualificação trazida pela legislação não representa qualquer risco de protecionismo mercadológico ou fragilidade de empresas nacionais. Neste sentido, seria importantíssimo que as exigências apresentadas na IT-24 fossem estendidas à IT-23, para que a mesma acompanhe esse movimento de atualização e alinhamento com o estado da arte em qualidade de sprinklers. A qualificação existente no mercado, resguardada pela legislação e fiscalização efetiva, fará com que, de forma gradativa, os bicos sem certificação e os falsos (inclusive milhares de ESFR K25) deixem de pôr em risco as construções e a vida de seus ocupantes, no Brasil.