Autor: Eng. João Carlos Wollentarski Júnior*
O incêndio ocorrido no alojamento do Flamengo na última sexta-feira traz consigo uma mistura de dor, revolta e insegurança. O que esperar de grandes empresas e do poder público para evitar novas tragédias?
Sexta-feira pela manhã, fomos acordados com a notícia da tragédia que levou à morte 10 crianças que sonhavam ser jogadores de futebol. O noticiário que se seguiu desde então foi de análises e mais análises de políticos, funcionários e servidores públicos, membros do judiciário e afins sobre a falta de licenças para funcionamento daquele espaço. Será que a falta de licenças está relacionada diretamente a prevenção de tragédias?
No sábado, o Jornal Nacional trouxe à luz o uso de materiais combustíveis no revestimento do alojamento do Flamengo. Acredito que após mais de 24 horas buscando culpados na burocracia do estado, a imprensa realmente começou a achar um caminho para análise real do que pode ter acontecido.
O objetivo deste artigo não é tratar dos problemas técnicos relacionados ao uso de revestimentos plásticos em edificações e sim da forma com que as grandes empresas podem e devem evitar este tipo de tragédia.
Grandes empresas não podem se apegar ao atendimento à legislação em vigor para justificarem a ocorrência de tragédias. Não podem sequer considerar que o atendimento à legislação é suficiente para garantir a segurança. Um exemplo claro disto é o rompimento da Barragem de Brumadinho da Vale. Em termos documentais, aparentemente, a Vale estava totalmente dentro da legislação, porém isto não foi capaz de garantir a segurança da estrutura e tão pouco preservar a vida de mais de 300 pessoas. A sociedade espera das grandes empresas responsabilidades sociais e isto não é tangível apenas com o cumprimento de legislações.
Há alguns anos atrás tivemos um movimento das grandes empresas em busca por tolerância zero a desvios éticos, corrupção e de comportamento alinhado com os seus funcionários. Muitas empresas criaram departamentos de Compliance e este movimento trouxe um ar de modernidade e principalmente aumentou a resiliência das empresas. A resiliência de uma empresa está na capacidade em preservar sua marca e manter suas operações mesmo em situações de crise. A FM Global, empresa americana que trata de seguros de propriedades industriais e comerciais, traz um índice mundial de capacidade de resiliência das empresas. O Brasil praticamente não possui riscos naturais, porém figuramos em um baixo índice de resiliência. Imagina se tivéssemos ainda que colocar nesta conta problemas com terremotos, furacões, vulcões e afins?
Um primeiro passo que precisa ser dado é um levantamento técnico dos riscos ao seu negócio. Em um segundo momento, devem-se buscar os melhores profissionais disponíveis no mercado para eliminar ou diminuir os riscos. Parece simples, mas não é. As empresas hoje visam o lucro inclusive nos processos de compras de serviços. Se não houver alguém ou um departamento responsável que procure as melhores soluções com os melhores profissionais, serão os departamentos de suprimentos que farão a gestão deste processo e pode-se afirmar com certeza, o risco não será diminuído.
Então, como resolver o problema? Os diretores tem que entender que, da mesma forma que é importante ter um departamento de compliance, é igualmente importante ter um departamento de engenharia de riscos nas empresas. Um setor com pessoas qualificadas consegue fazer com que os riscos sejam eliminados ou potencialmente diminuídos.
Qual o custo da morte destas 10 crianças para o Flamengo? Qual o custo da morte das mais de 300 pessoas para a Vale? Talvez nunca saberemos ao certo. O que é sabido é que serão altíssimos e se não forem bem administrados podem nunca serem superados em sua plenitude.
Alguns anos atrás fui aos Estados Unidos para conhecer uma nova tecnologia de proteção contra incêndios para depósitos de mercadorias. Esta tecnologia ainda não estava prevista nas normas de instalação daquele país. Questionei como funcionaria nos EUA caso houvesse um incêndio na edificação e aquele sistema falhasse. Ele me respondeu que a empresa responderia na justiça pela aquela falha. Não me emendei e mudei a pergunta, “então não seria melhor adotar práticas já prevista nas normas de proteção?” Ele respondeu que lá não importa se a empresa seguiu ou não as normas de proteção, importa se está ou não protegido. Se o sistema falhar, a responsabilidade será sempre da empresa e não cabe apoiar-se em normas ou leis para alegar que o que foi executado estava adequado.
Neste sentido, cabem inúmeras perguntas à Vale e ao Flamengo, tais como:
- Nunca se cogitou retirar o refeitório e o prédio administrativo da rota de rompimento da barragem?
- Se o método de alteamento a montante de barragem não é dos mais seguros e o impacto deste rompimento levaria a tantas mortes, não seria o caso de substituição deste tipo de barragem antes das tragédias de Mariana e Brumadinho?
- Se as crianças são o futuro de um clube de futebol que as formam, qual é a melhor maneira de se prover moradia, alimentação, saúde e outros desses futuros profissionais? Quanto custaria a mais para o Flamengo fazer um acordo com uma grande rede de hotéis para administração dessas moradias? (seja no interior do clube ou em edificações externas)
- O Flamengo ou os nossos times de futebol estão preparados para uma catástrofe com seus torcedores ou com os seus jogadores?
- O Flamengo ou os nossos times de futebol tem capacidade técnica e operacional para garantir a vida e o bem estar de crianças que estão completamente sob sua responsabilidade?
- A Vale tem condições técnicas para extrair Minério de Ferro sem colocar em risco a população?
Se as empresas brasileiras não evoluírem para controlarem melhor os seus riscos, nunca serão realmente resilientes. As empresas mais antigas do Brasil são estatais e a resiliência neste caso não tem a ver com gestão de riscos e sim com monopólios ou aporte de dinheiro público. Se ater a burocracia estatal para justificar atitudes é a pior estratégia a ser seguida. O estado sempre exigirá o mínimo das empresas e este mínimo com certeza não será suficiente para fazer com que estas estejam devidamente protegidas. Empresas se vão, mas o estado fica, independentemente se as mesmas estavam atendendo todos os critérios de segurança exigidos pelo poder público. Pense nisso, para o futuro saudável do seu negócio.
*Dados do autor:
Engº João Carlos Wolletarski Júnior. – Engenheiro Civil pela UFMG, Diretor da Ipê Consultoria, Ex-Presidente da ABSPK (2016-2017), Membro do comitê da ABNT para normas de Sprinkler – NBR 10897, NBR 13792, NBR 16400, NBR 16704 Membro do comitê técnico da ABSPK (2012-2015). Trabalha com projetos e consultorias na área de proteção contra incêndio há 18 anos com trabalhos em vários estados do Brasil especialmente sistemas de sprinkler para galpões de estocagem. Vencedor do primeiro concurso de sprinklers promovido pelo ISB em 2013 com o trabalho Conceitos Fundamentais e Dicas Importantes Para Quem Trabalha com Sprinkler. Uma visão especial da NFPA 13.
Referência:
Acho que o Eng.João Carlos foi muito suave no seu artigo. Estamos vivendo uma época de total desacordo às Normas de Engenharia, em função da predominância de líderes que só visam 02 itens nas implantações e operações de sistemas: 1- Qual o prazo de execução e 2-Quanto vai custar. É a maior crise de Engenharia de todos os tempos no Brasil. É estarrecedor as explicações que tenho lido sobre Brumadinho e Mariana. O homem consegue monitorar a integridade e o operacional de sistemas e estruturas em outro planeta, e a Vale não conseguiu identificar e acompanhar as Não Conformidades de Barragens! O caso do Flamengo é o mais grave: as instalações implantadas eram perigosas até para criar galinhas! E não tinha Habite-se!
CT do Flamengo contratou serviços técnicos de elétrica, fizeram gambiarras nas instalações elétricas que deu origem ao incêndio. O mesmo ocorreu no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, quando gambiarras estavam presentes na manutenção. Na Vale, os Profissionais do SESMT compactuaram com as chefias para permanência do Risco. Em síntese: os profissionais não apáticos para com a sua missão.