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13 de setembro de 2018 / Por / 0 Comentário

Dá para evitar novos incêndios?

Uma das maiores especialistas brasileiras na proteção do patrimônio histórico e cultural contra o fogo explica como evitar tragédias comparáveis à do Museu Nacional

evitar novos incêndios

Por Helio Gurovitz via G1

Quinze anos atrás, a arquiteta Rosaria Ono visitou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, para avaliar um projeto de proteção das instalações contra o fogo. “Não tinham estrutura para proteger acervos contra ações externas: nem umidade, nem infestação, nem incêndios, nem nada”, conta Rosaria, professora-titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP, conselheira do Instituto Sprinkler Brasil (ISB) e uma das maiores especialistas do país em prevenção e combate a incêndios no patrimônio histórico, artístico e científico. Na ocasião, a preocupação principal ainda era proteger a vida de quem trabalhava ou visitava o local. “Era preciso instalar uma saída de emergência. O projeto não foi aprovado porque estragaria a fachada ao colocar uma escada externa. Mas era uma fachada lateral, nem frontal era.”

Responsáveis pelo tombamento desses edifícios costumam resistir a todo tipo de mudança para garantir a segurança contra o fogo – e a sobrevivência dos próprios edifícios. “As duas coisas têm que ser compativeis”, diz Rosaria. Quando o que está em jogo são obras de arte, peças históricas ou científicas, não basta garantir o cumprimento das normas do corpo de bombeiros, estabelecidas para proteger vidas. “Outra questão é segurança patrimonial”, afirma. No Brasil, os códigos e regulamentos para garantir a preservação do patrimônio ainda são incipientes, quando existem.

As autoridades que administram o Museu Nacional eram alertadas há décadas. Houve todo tipo de alarme para a conservação precária e o risco de incêndio: investigação do Ministério Público, projetos com financiamento garantido do Banco Mundial, verbas do BNDES aprovadas para a conservação, um arquiteto chegou a denunciar a situação crítica há menos de seis semanas. Nada foi feito. O descaso com os riscos que ameaçam o patrimônio histórico tem sido uma constante no Brasil.

Para elaborar sua apresentação no 4º Workshop de Segurança contra Incêndio em Edificações, realizado dois anos atrás, Rosaria compilou uma lista dos principais incêndios que, nas últimas décadas, consumiram museus, acervos e o patrimônio histórico e cultural brasileiro.

Assista a palestra da prof. Rosaria no último Congresso da ABSpk, no Rio de Janeiro:

Sem incluir arranha-céus, salas de teatro ou cinema, a lista começa com o fogo na Estação da Luz paulistana em 1946, local que voltou a pegar fogo quase 70 anos depois, em 2015, quando um incêndio destruiu o Museu da Língua Portuguesa (leia a tabela no final deste texto).

Palestra: A qualidade oculta do Sprinkler certificado

De acordo com Rosaria, o problema central é essencialmente de gestão. “Há um ponto em que é preciso dizer ‘vamos fechar’, para diminuir o risco e proteger o acervo”, diz ela. “No caso do Museu Nacional, essa decisão não foi tomada.” No Museu do Ipiranga, em São Paulo, a deterioração chegou a um ponto em que a própria diretoria se recusou a mantê-lo aberto, para garantir a segurança do acervo e dos visitantes.

Fechado em 2013, o museu só deverá reabrir em 2022, depois de obras de restauração que têm andado lentamente e sido interrompidas em virtude da crise fiscal do estado. Mesmo assim, é uma situação de menor risco que o Museu Nacional, onde as obras que poderiam protegê-lo foram sucessivamente empurradas com a barriga.

“Muitos desses museus estão desamparados em especialistas capazes de fazer recomendações técnicas”, afirma Rosaria. “Museólogos, historiadores entendem muito do acervo. Mas não dos riscos ao edifício, que também é um acervo.” Ela recomenda quatro tipos de medida para proteger o patrimônio das tragédias:

  1.  Isolar o acervo numa área conhecida como “reserva técnica”, que não fica em exposição. Os edifícios históricos não têm essa áreas. Ela precisa ser construida, respeitando normas de proteção a fogo, umidade, infestações e intempéries. No Museu do Louvre, a reserva técnica fica fora do prédio de exposições. Recentemente, a biblioteca do Museu Britânico, em Londres, transferiu documentação a outra cidade, numa instalação erguida sob encomenda para protegê-la.
  2. Dentro do edifício, é preciso isolar as áreas para que as chamas não se propaguem. “Um incêndio nunca começa grande”, diz Rosaria. É preciso criar barreiras contra o fogo entre os pavimentos e entre ambientes do mesmo pavimento, se necessário com obras e materiais que impeçam a propagação. Isso dá aos bombeiros e aos próprios funcionários tempo para retirar as peças mais preciosas ou mais próximas de áreas perigosas. “No Museu da Língua Portuguesa, o que parou o fogo foi a torre do relógio, onde havia uma parede que separava o edifício ao meio, tanto em 1946 quanto em 2015.”
  3. É necessário instalar sistemas de detecção e combate ao fogo, como chuveiros automáticos, dispositivos de água nebulizada ou outros mecanismos acionados pelo calor. “Eles pegam o incêndio logo no início”, diz Rosaria. “Dizem que não pode molhar, não pode molhar…. Claro que pode molhar, mas não pode queimar. É um mito, na proteção do acervo, o medo da água. Isso é uma questão de custo-benefício.” O que esta molhado, é possível secar e salvar. O queimado, não. Ela cita o exemplo de uma biblioteca suíça que pegou fogo em 2008, onde todos os livros depois foram postos para secar. “Restauradores sabem salvar livro molhado”, afirma.
  4. Finalmente, é essencial adotar as medidas de prevenção comuns a todos os edifícios, como rotas de fuga, brigadas contra incêndio, extintores e mangueiras. “Tudo tem a ver com gestão”, diz Rosaria.

Não é possível, no entender dela, esperar que “o poder e o dinheiro público resolvam tudo”. “A forma de administrar nossos bens culturais precisa mudar”, diz. “O interesse é público, mas o patrimônio é da sociedade como um todo. Temos de aprender a trabalhar melhor e a buscar apoio da própria sociedade. É uma questão política.”

Ela cita o exemplo de São Paulo, onde vários museus são administrados por parcerias público-privadas, como um modelo mais eficaz. É o caso da Pinacoteca do Estado. “Eles têm um sistema bem profissional, com gente dedicada e boa.” Mesmo assim, a gestão privada em si não garante tudo. No Museu da Língua Portuguesa, administrado pela iniciativa privada, o fogo começou numa instalação temporária. “Também aí é preciso que haja limites à carga elétrica, material combustível e coisas do tipo”, diz Rosaria. “Com os erros, a gente vai aprendendo.”

Outra experiência positiva citada por Rosaria é o novo prédio do Arquivo Público do Estado de São Paulo, onde um incêndio destruiu parte do acervo de documentos históricos, bem no momento em que se construía uma nova sede para abrigá-lo. Inaugurada em junho de 2012 a um custo estimado em R$ 90 milhões, traz o que existe de mais avançado em tecnologia de proteção ao fogo.

Fora do país, há inúmeros exemplos de sistemas de prevenção e combate ao fogo. Sob o telhado da Catedral de São Patrício, em Nova York, foi instalado em 2012 um complexo sistema de tubulações que conduz a 264 bicos capazes de aspergir água nebulizada em caso de fogo, uma técnica que não encharca as instalações. O sistema custou US$ 1,1 milhão, ou US$ 350 mil a mais que o sistema tradicional de proteção, numa restauração orçada ao todo em US$ 177 miilhões.

O Museu Britânico passou por renovação completa em 2002. As janelas do pátio principal foram equipadas com dispositivos automáticos capazes de fechá-las para impedir a propagação da chamas. Mesmo as salas antigas foram equipadas com portas corta-fogo que fecham na vertical e passam despercebidas a quem visita o museu (como se vê acima, nas imagens feitas pela própria Rosaria). Diante da tragédia do Museu Nacional e dos demais incêndios relatados abaixo, não é preciso fazer muito esforço para perceber que o custo desse tipo de instalação compensa, diante do risco de perder um acervo de valor incalculável.

Incêndios em patrimônio histórico, artístico e científico no Brasil

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Créditos: 
Por Helio Gurovitz via G1

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